sexta-feira
na pista, não vi ninguém.
dancei pra dentro de mim.
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Lojinha de luminárias no Saara, centro do Rio, hora do almoço. O homem engravatado escolhe algumas peças, atendido pela vendedora gordinha e simpática, os dois com seus trinta e poucos anos, ela fazendo seu papel de atendente, ele de comprador.
Ele diz que está com pressa e que volta no dia seguinte, pede nome e telefone dela, que prontamente busca um cartão da loja e entrega ao cliente.
- Mas aqui tem só o telefone da loja - ele reclama, em tom comedido. Na verdade eu queria o seu.
Os olhos da moça sorriem discretamente, ela volta ao balcão e preenche de novo o pedaço de papel. Ele confere, sorri de volta, anda alguns passos no interior da loja, como quem procura um abajur, ela diz que sai às seis e que a chefe está de olho. Ele então se despede e agradece. Ela age como se acabara de atender mais um comprador.
Com o pé já na calçada ele então retorna à loja, caminha até a vendedora e diz, novamente se despedindo:
- Meu nome é Antônio.
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embriaguez / languidez
embriaguês / languidês
embriaguesz / languidesz
nublado verão.
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Estranha e carregada energia política.
Rio estranho. Arrastão. Especulação.
Calor.
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o silêncio é mais silencioso,
teu verbo parece infinito.
chocolate mais chocolate,
o sol é mais sol,
o chão é mais chão,
eu sinto o chão.
nuvem é mais nuvem,
sexo é mais sexo,
tudo é tão lânguido.
quero uma coca-cola.
eu vejo as notícias.
tudo é tão absurdo.
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Pego um ônibus do Centro em direção à Tijuca. No Rio, os motoristas não gostam muito de dar informações, então, apesar de não ter muita certeza se a linha passa na São Francisco Xavier, entro mesmo assim, sei que passa perto. Se for preciso, ando por alguns minutos. Uma caminhada em noite de sexta, ao final de um dia de trabalho, até faz bem.
Esqueço de tudo quando, de repente, um cheiro de café torrado preenche o espaço. Olho ao redor da Presidente Vargas caçando alguma loja, algum lugar para processamento de grãos, algum caminhão na pista transportando embalagens... Nada. Apenas cheiro de café, maravilhoso, que me acompanha até o fim da viagem. Alguém feliz carregava dentro daquele ônibus um mágico café. Fiz minha caminhada sentindo muita paz.
Sábado. Desço do prédio e uma ventania embala numa dança galhos, toldos, papéis, nuvens. Um garotinho com traços chineses, mão dada com uma mulher, talvez a mãe, me chama atenção. De olhos fechados, ele sente o vento tocar-lhe os cabelos muito finos, joga a cabeça pra traz e parece sentir um dos maiores prazeres da vida. Cabelos dançam. Ele sorri, ainda de olhos fechados, levanta as pálpebras para ver rapidamente o caminho à frente, e novamente cerra as vistas para o mundo, sentindo apenas o vento no rosto. Apenas o vento.
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Hoje à tarde, a caminho de uma lanchonete, eu passava em frente ao supermercado Mundial, do Bairro de Fátima, quando parei pra que um carro que saía do estacionamento pudesse sair para a rua. Um funcionário do mercado logo dirigiu-se a mim: “Não, já fechou, não pode entrar mais ninguém!”. Um ímpeto proibitivo que não entendi muito bem, pois a meu ver não tinha feito nenhum movimento para entrar no local.
Na sexta-feira, ao pegar um ônibus da linha 321 (Castelo x Bananal), a caminho do Fundão, um homem foi impedido pelo motorista de entrar, porque carregava uma peça de carro, uma espécie de cabo com no máximo 60 centímetros. De acordo com o motorista, ele não poderia entrar, porque a peça poderia sujar algum passageiro e, segundo ele, a responsabilidade cairia depois sobre o condutor do veículo. O homem tentou argumentar, disse estava trabalhando, tinha horários para cumprir, mas não levou o diálogo adiante e, com o dinheiro de volta na mão, disse uma última frase: “Eu estou trabalhando”.
Quantas vezes você já tentou limitar os atos da pessoa que ama? Marido ou esposa, namoro, ficante, parceiro ou parceira, relações de diferentes tipos. Quantas vezes você já se pegou tentando limitar o desejo do outro, impedir que o outro lado olhe pra alguém na rua? Quantas vezes você já demonstrou incômodo, não disse nada, mas deu a entender que o outro, na sua liberdade de desejo, não poderia manifestá-lo?
Lembro-me sempre da professora Janice Caiafa, da Escola de Comunicação da UFRJ, falando sobre a (des)organização do sistema de ônibus do Rio de Janeiro. Certa vez – não tenho como reproduzir aqui a frase exata – ela disse que havia nos motoristas de ônibus algo como uma perversão latente, um poder capaz de ser exercido a qualquer momento sobre o outro (a psicologia deve explicar bem esse tipo de comportamento) e que se revelava no momento em que o condutor do coletivo decidia não parar em um ponto, dirigir irresponsavelmente como se isso não tivesse implicação sobre a vida alheia, enfim, uma dotação de micropoder, capaz de tornar cidadãos comuns em senhores do destino alheio.
Durante os protestos de junho, na Presidente Vargas, o síndico do meu prédio simplesmente quis impedir alguns amigos de fazer imagens da polícia, sob justificativa nenhuma, dizendo a eles que não era permitido filmar no saguão do prédio! Eu não estava presente no momento, mas se estivesse certamente teríamos uma boa discussão sobre a manifestação arbitrária de poder. Parece que, na dúvida, as pessoas concluem que a proibição é o melhor caminho.
Há cerca de dois meses, na orla de Ipanema, ouvi um policial, ao sair de um quiosque, dizer: “Vou ali procurar uns maconheiros”. E isso ficou na minha cabeça, reverberando, e me faz lembrar constantemente que a função da polícia, há anos, parece ser basicamente interferir no uso de drogas pelas pessoas. Que mal faz à sociedade o cara que fuma um baseado na praia? Que ficção é essa que mobiliza batalhões para impedir a recreação alheia?
Mais próximo do campo político e menos da psicanálise (ou talvez não, e também fica a ressalva que as duas coisas também não precisam ser dissociadas), vem agora essa decisão quase surreal, que se soma a um estado de coisas cada vez mais sério nesta cidade, de se proibir o uso de máscaras nas ruas. Muito preocupante. E isso é só um detalhe de algo tão maior...
Há alguns meses, o jornalista Bruno Torturra publicou no seu Facebook um texto, intitulado “Marco Feliciano na Esquina”, em que relatava como moradores de São Paulo, numa reunião catártica com a presença de polícias Civil, Militar e Guarda Civil Metropolitana, estudavam formas de melhorar a ordem na Praça Roosevelt. As maiores preocupações relatadas pelos moradores, durante a reunião, pasmem!, eram a presença de gays e travestis nas ruas e a presença de skatistas no local.
Fico bastante preocupado com esse ímpeto proibitivo que vai tomando todos os espaços possíveis. O interior da nossa casa, as ruas, os governos, as polícias. Tomemos cuidado: proibir está em alta.
(Rio, 8 de setembro de 2013)
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na caixa de entrada
e-mails de mim pra mim
inúmeros
não sou o único.
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Eu desejo:
Mais autoconhecimento, menos igrejas.
Mais respeito aos gays, menos igrejas.
Mais respeito às mulheres estupradas, menos igrejas.
Mais respeito às mulheres, menos padres.
Mais laicidade, menos papas.
Mais bibliotecas, menos igrejas.
Mais cinemas, menos igrejas.
Mais respeito aos novos arranjos familiares, menos igrejas.
Mais filosofia, menos igrejas.
Mais escolas, menos igrejas.
Mais educação, menos igrejas.
Mais ciência, menos igrejas.
Mais liberdade, menos privação.
Mais poesia, menos bíblia.
Mais amor, menos ódio.
Amor ao próximo, sem igrejas.
A vida é tão curta.
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2013:
Eu, que sempre usei o amor como um verbo duro, hermético,
de repente, penso que seria interessante mesmo torná-lo mole, penetrável, expansivo.
Talvez a nossa geração esteja certa, amando tudo e todos tão facilmente.
A banalização do amor, meus caros, é bem-vinda!
(penetrar em tudo o amor não pode ser de todo ruim)
[Continua...]
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